Portugal só é comparável a países como a Grécia ou a
Roménia. Os melhores resultados são conseguidos pela Suécia e pela Dinamarca.
Na União Europeia a 27, homens e mulheres são iguais em teoria, mas na
prática esta igualdade atinge apenas 54 pontos - em 100 possíveis - com o poder
e o tempo (a sua distribuição e utilização) a serem as áreas em que as mulheres
são mais prejudicadas face aos homens em todos os Estados-membros. Em Portugal,
os dois géneros têm um nível de igualdade de 41,3, a sexta pontuação mais baixa
de toda a União Europeia.
Estas são algumas das conclusões do Índice de Igualdade de Género, levado a
cabo pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, que comparou, agregou e
analisou as estatísticas do ano de 2010 da Comissão Europeia, da Eurofound
(Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), da
UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa) e da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) sobre seis
indicadores nos 27 Estados-membros: trabalho, dinheiro, conhecimento/educação,
tempo, poder e saúde.
Em vez de números espalhados por 27 países (a Croácia, o 28.o
Estado-membro, ainda não entrou nestas contas), estas estatísticas elaboradas a
nível supranacional permitiram criar, pela primeira vez, uma base de comparação
credível e equilibrada sobre a realidade do impacto das medidas de igualdade de
género implementadas - muitas vezes por recomendação das instituições europeias
- ao longo dos últimos anos pelos Estados-membros. A tarefa de organizar esta
informação coube ao Instituto Europeu para a Igualdade de Género que nos
últimos três anos tem vindo a desenvolver o projecto. "O ponto de partida
para construir este índice foi a criação de uma base de dados de potenciais
indicadores entre os géneros" explicou Lígia
Nóbrega, investigadora portuguesa e especialista em género que participou no
projecto.
NÚMEROS DA DESIGUALDADE: Com 1 a representar a desigualdade total e 100 a representar o máximo
da igualdade entre homens e mulheres, a média da União Europeia fica a meio da
tabela com 54, com os países nórdicos como a Suécia (74,3), a Dinamarca (73,6)
e a Finlândia (73,4) a obterem os melhores resultados e com a Grécia (40),
Bulgária (37) e Roménia (35,5) a serem os países com maiores discrepâncias
entre géneros.
Dos seis indicadores avaliados, poder (38) e tempo (38,8) são os que mais
afastam homens e mulheres, enquanto a saúde atinge 90 - sendo o indicador onde
se verifica maior igualdade entre homens e mulheres.
Segundo o relatório que acompanha o índice, "as mulheres estão muito
sub-representadas nas posições chave de poder na maioria dos
Estados-membros", algo verificado especialmente nos cargos de liderança
económica, algo verificado analisando a composição dos conselhos de
administração das maiores empresas europeias cotadas em bolsa - um facto que já
levou Viviane Reading, vice-presidente da Comissão a apresentar uma proposta
que obrigue as empresas europeias a uma representação mínima de 40 de um dos
géneros nos seus órgãos de decisão.
No que diz respeito ao tempo que cada um dos géneros dispõe para repartir
entre trabalho e vida privada, existe apenas 38,8 de igualdade nesta
distribuição (em média nos 27), sendo mais uma vez as mulheres prejudicadas
pela "desproporção de tempo dedicado aos cuidados familiares que lhes são
atribuídos". Devido ao tempo dedicado a esses cuidados, as mulheres acabam
por ser prejudicadas no tempo que poderiam dedicar à cultura, ao lazer e a
actividades cívicas, segundo o relatório.
Apesar de a violência não ser uma das áreas em estudo, o Índice não
esqueceu esta vertente da desigualdade, apesar de não apresentar quaisquer
dados estatísticos. "Infelizmente a violência representa uma das maiores
lacunas estatísticas para avaliar a progressão da igualdade de género na União
Europeia. Mas o facto de não haver números que representem esta situação a
nível europeu, não significa que não haja um esforço individual de cada país em
apurar essas realidades. O que se torna evidente é que não há números
harmonizados dos 27 sobre esta matéria" sublinhou a investigadora Lígia
Nóbrega.
Na UE, segundo o relatório, 9 em cada 10 vítimas de violência doméstica são
mulheres e pelo menos um quarto de todas as mulheres provenientes dos 27 já
foram alvo de violência pelo menos uma vez na sua vida adulta. Em Portugal no
ano passado foram denunciados 16 970 crimes de violência doméstica, de acordo
com dados apurados pela APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima). O
relatório conclui que cabe à Comissão Europeia desenvolver os instrumentos
necessários para poder medir e comparar a violência contra as mulheres nos
Estados-membros.
A REALIDADE PORTUGUESA: Em Portugal, todos os indicadores analisados ficaram abaixo das médias
europeias (gráfico ao lado), fazendo com Portugal seja o sexto país mais
desigual da União, ficando apenas acima da Itália (40,9), Eslováquia (40,9),
Grécia (40), Bulgária (37) e Roménia (35,5).
É na distribuição do tempo livre que Portugal regista os piores resultados,
com uma igualdade de apenas 22,4. Para avaliar a distribuição do tempo fora do
trabalho entre os géneros, o índice estimou o tempo dedicado aos cuidados
familiares (tomar conta de crianças e da lida da casa) e às actividades sociais
(desporto, cultura ou lazer e voluntariado). Em Portugal, não só a mulher é
mais responsável pelos cuidados com os filhos ou com os netos, como é a mulher
europeia que assume mais responsabilidades domésticas - como as arrumações ou a
preparação das refeições, participando em 80% destas tarefas, enquanto os
homens ficam pelos 20%. Só as actividades domésticas ocupam diariamente mais de
duas horas às mulheres portuguesas.
Na educação e conhecimento, onde Portugal obteve apenas 30,4 de igualdade,
a segregação entre homens e mulheres nas várias disciplinas de estudo (as
mulheres estão mais ligadas à educação e saúde, com pouca representação na área
das matemáticas e ciências) e o número elevado de mulheres no ensino superior
face aos homens, faz aumentar a distância entre os sexos. Em 2010, havia 67 350
mulheres inscritas nas universidades portuguesas e apenas 54 964 homens,
segundo dados do Pordata.
O Índice menciona ainda os avanços legislativos feitos por Portugal nos
últimos anos, com a adaptação de diversos programas europeus e das Nações
Unidas para Planos de Acção nacionais. No entanto, estes avanços não chegam
para fechar a lacuna entre os homens e as mulheres portuguesas.
"Sendo uma feminista portuguesa, fiquei emocionada com os maus
resultados do país, tendo em conta todas as lutas travadas pelas gerações
anteriores desde Ana de Castro Osório [activista pioneira da igualdade de
género em Portugal], até ao activismo mais recente dos últimos 30 anos"
confessou Lígia Nóbrega, embora reconheça que do ponto de vista da investigação
que tem vindo a desenvolver, os números obtidos são "consistentes"
com os seus 20 anos de pesquisa, não só sobre a igualdade em Portugal, como no
resto dos países da União Europeia.
MEDIR O FUTURO: Os resultados
apurados pelo índice serviram para mostrar que "a União Europeia ainda
está a meio caminho no que diz respeito à igualdade de género" e ao mesmo
tempo verificar os "diferentes níveis de igualdade" entre os
Estados-membros, conclui o relatório que acompanha o Índice.
Daqui para a frente, caberá às instituições europeias e aos países a título
individual, utilizar os dados obtidos neste estudo da maneira como acharem mais
conveniente. "O Instituto está a divulgar activamente o Índice e a
trabalhar conjuntamente com os Estados-membros para os consciencializar para a
utilidade deste instrumento. Também vão decorrer reuniões com regiões de alguns
países e outras instituições que mostraram interesse em saber mais sobre o Índice"
revelou Lígia Nóbrega.
De modo a ter termo de comparação e de evolução directa da igualdade de
género entre os agora 28 países da União Europeia (a Croácia entrou
oficialmente a 1 de Julho deste ano), o Índice passará a ser elaborado de dois
em dois anos. Para 2015, a EIGE já está a estudar os parâmetros e a encetar
contactos com as entidades responsáveis em cada país a nível das instituições
europeias.
(in Jornal i)